Uma amiga que não tenho contato há mais de cinco anos me surpreendeu com um e-mail: “Formiga querida! A ultima vez que nos falamos, vocês estavam pensando em construir um barco e velejar até a China. Como estão os planos para esse novo sonho? Por favor, me de notícias! Saudades, Cida.”

Olhei para o calendário na parede do barco com uma anotação em vermelho no dia 21 de setembro: 365 dias de Expedição Oriente! Nem acredito que o tempo passou tão depressa! Respondo o e-mail como uma retrospectiva, e como num filme as imagens destes últimos 12 meses foram passando na minha cabeça.

O final da construção do barco depois de dois anos e meio, no estaleiro com as plantas de arquitetura náutica e Vilfredo e David fazendo o planejamento da Expedição, administrando a busca de patrocinadores e parceiros enquanto Wilhelm comandava um exército de profissionais, e eu as voltas dos últimos toques para tornar o nosso lindo barco em uma casa, que nos levaria à realização de nosso sonho. Quanta emoção da despedida na festa da partida em Itajaí.

Lembrei-me dos sentimentos de dúvida e expectativa que sempre experimento a cada partida. As primeiras semanas no mar, a adaptação à nova tripulação. Como manter o alto astral e a alegria quando todos sentem saudades de quem e do que ficou no Brasil, quando ondas gigantes tornam impossível andar, ler ou manter a ultima refeição no estômago?

O meu grande desafio era estar velejando para a Antártica. Não via muito sentido em ter que sofrer com o frio para ver gelo, gelo e gelo. Que lugar incrível. Como pode o gelo, transparente e branco, produzir cores maravilhosas e paisagens tão incríveis? Tantos anos resistindo à curiosidade de conhecer a Antártica e ali estava eu, no deck, só com os olhos de fora, tentando absorver toda aquela beleza e a alegria de ver os pinguins bem pertinho, as baleias ao nosso lado e a assustadora foca leopardo. E rever meu pássaro favorito o Albatroz fazendo seu bale ao redor do barco.

Fiz uma lista dos lugares lindos, alguns deles desconhecidos para nos onde vivemos muitas aventuras: Ilha dos Estados, com o farol do Fim do Mundo, Ushuaia, Puerto Williams, Cabo de Hornos, a avenida dos glaciares, a desabitada ilha Ducie, e o isolado atol de Amanu.

Acrescentei na lista de momentos de adrenalina: cruzar o Cabo de Hornos, o temido estreito de Drake, e ver a forca do vulcão Calbuco, no Chile, logo depois que ele entrou em erupção.

E, pela terceira vez estou velejando no Pacífico. O veleiro Kat mostrou sua coragem ao enfrentar a navegada do Chile para a Ilha de Páscoa, por 13 dias naquele oceano que o castigou por dois dias com ondas de 6 metros. Fascinante rever os misteriosos moai de Rapa Nui, sentir a energia da pedra que descontrola o ponteiro da bússola. Voltar a Mangareva, e visitar o tesouro das pérolas negras.

Um momento emocionante foi a nossa entrada no perigoso canal do atol Amanu, uma manobra onde um pequeno erro pode ser fatal. E que delicia os três dias no sol tropical e mergulhando nas águas transparentes da desabitada ilha Ducie. E, depois de quatro dias velejando, chegar ao Taiti, e ser abraçada e saudada por nossos amigos polinésios com muita alegria.

Quantos momentos especiais estamos vivendo quando reencontramos nossos amigos nos lugares que atracamos. Eles nos recebem com braços abertos e muito carinho, como se o tempo nunca tivesse passado. Momentos de apertar o coração foram quando tivemos que partir dos lugares e dizer ate logo.

A lista de descobertas na culinária, danças, musica, costumes e culturas desses lugares visitados são enormes. Enfim foram 365 dias de: muitas alegrias, de muita saudades, de muito amor, de risos e sorrisos, de algumas lagrimas, de liberdade, de muita felicidade, alguns momentos difíceis, de trabalhos novos, de muita superação e de muitas histórias para contar.

Hoje estamos navegando, Capitão, meu filho Wilhelm, neto Emmanuel e os tripulantes Charlie, Frank, Heitor e Pedro, como uma unida família a bordo do veleiro Kat.

Querida amiga Cida, que bom receber seu e-mail. Para você conhecer melhor sobre nosso novo sonho sendo realizado, junte-se aos nossos tripulantes virtuais que nos seguem diariamente no Facebook e Instagram e, diariamente, nos enchem de boas energias.

Um beijo,
Formiga.

ps: Desliguei o laptop e fui para o deck para assistir ao espetáculo do pôr-do-sol…